quinta-feira, outubro 09, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Os guineenses são incrivelmente belos!

Para os gregos o Belo não era um tema fácil: Platão conversou uma vez com Hípias sobre o assunto e o resultado foi: "O Belo é difícil". Para os gregos o Belo era o ideal, havendo uma influência grande ao nível do pensamento, da Filosofia. A propósito deste Belo, apetece-me saltar para o Renascimento (séc. XV), mais especificamente para o tratado De Statua do artista, arquitecto e tratadista Leon Alberti. Nesse tratado, Alberti fala do Belo como momento Concinitas, ou seja, o momento em que tudo está perfeito... em que o risco de continuar a obra é de tal forma grande que toda a Beleza se perderá se se mexer um milímetro da obra...

... assim são os guineenses...

Platão ficaria pasmo com o Belo que encontraria neles!
Alberti não descansaria enquanto não os representasse na sua devida proporção, equilíbrio, harmonização!



... eu, na minha pequenez, com a minha Canon, tentámos trazer um escasso momento desse Belo guineense...


Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Estava eu no Centro de Recuperação Nutricional quando me foi pedido para registar as novas crianças subnutridas. Nesse dia apareceram no Centro umas 10 crianças novas, além das 50 habituais visitas diárias.

O Centro de Recuperação Nutricional de Empada tem perto de 500 crianças inscritas, vindas de Empada e aldeias das redondezas (dizer redondezas aqui é quase uma ofensa, já que vêm pessoas que caminham um dia inteiro, com uma criança doente às costas, para receberem ajuda do Centro).

Uma mãe vai com a sua criança subnutrida ao Centro de 15 em 15 dias, mas quando a criança tem uma subnutrição grave, a mãe tem de levá-la todos os dias para comer uma papa especial do Programa Alimentar Mundial (PAM).

Neste dia, a criança da foto, chorava de tal maneira que parecia que o mundo ia acabar amanhã! Talvez fosse mesmo para ela. Não sei o que é estar subnutrido e acho que nem consigo imaginar, mas quando uma criança chora neste Centro, o respeito pelo choro é algo de incrivelmente tocante...

... quando tirei a máquina fotográfica o choro abrandou...
... quando tirei esta fotografia a criança olhou para mim com um ar de curiosidade tão grande, que por momentos, penso que se esqueceu do seu choro e se deixou encantar pelo "admirável mundo novo" da fotografia...

... a mãe sorriu... talvez porque por momentos a criança parou de chorar...

terça-feira, outubro 07, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




A primeira vez que joguei à bola em Empada foi ao final da tarde, antes do jantar. As crianças estavam a jogar e a vontade que tinha de me juntar a elas era tão grande que não resisti...

Comecei o jogo de chinelos, mas rapidamente passaram do pé para a mão. Jogar descalço naquela terra vermelha é uma experiência incrível. A terra é fininha... entranha-se nos pés ao ponto de ficarmos com a pele vermelha. Assim que fiquei descalço, as crianças começaram a comentar o facto de estar a jogar como elas... riram-se de mim, mas ao mesmo tempo ficaram mais entusiasmadas e o jogo passou a ser mais fascinante!

No meio das dezenas de crianças que estavam no campo, havia uma com uma camisola do Sporting. Na parte de trás tinha o nome do Yannick D'jaló.
Nesse dia não fazia a mínima ideia que mais tarde iria desenhar o Tomás, grande fã do Sporting, mas sobretudo um apaixonado pelo futebol. O Tomás é o irmão mais novo da Helena (aquela que aparece no documentário do del8) e passava os dias no campo a jogar. Por ele não fazia mais nada na vida...

Quando o desenhei, tinha um amigo dele atrás de mim que não parava de rir porque eu tinha desenhado aquele ângulo mais bicudo da nuca da cabeça dele. Quando acabei o desenho fiz-lhe uma proposta: "agora desenha-me a mim" - disse eu. "Cá pudi" (não posso) - respondeu-me ele.

Não pode... ou não consegue... mas uma coisa é certa: o fascínio pelo desenho ficou-lhe entranhado... estava sempre a pedir para mostrar o desenho dele aos amigos!

Nessas alturas pensava em como não me importava de ficar ali a ensinar a desenhar...

segunda-feira, outubro 06, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Levava o giz num dos bolsos dos calções, e no outro, um esfregão de loiça que servia de apagador. A primeira semana de aulas foi dura! Não percebia se me fazia entender... os alunos olhavam para mim com um ar de quem está a entender tudo, mas o silêncio deles transmitia-me outra coisa... que estavam a tentar entender o que eu dizia...

Dar aulas de português foi um desafio enorme para mim. Sobretudo porque o meu português usa palavras de Portugal que não se usam na Guiné...
Foi preciso sintonizar a minha linguagem, o meu modo de pensar, perceber as relações familiares, conseguir dar exemplos da vida quotidiana deles, pensar como um guineense...

A primeira semana foi muito difícil mesmo! Não conseguia perceber se os meus exemplos eram suficientemente claros para os alunos...
... até que um dia decidi dar-lhes um trabalho de grupo parecido a um que já dei aos meus alunos aqui de Lisboa. Contei-lhes a história do "Fumo e o Assado" e deixei o final em suspense para que eles o conseguissem resolver...
... fizemos um debate, muito produtivo por sinal, e no final percebi que todos tinham gostado da aula.

Boa! Pensei eu...
... a partir dessa aula tudo correu melhor e comecei a sentir que poderia ficar por ali durante anos a ensinar e a contar histórias...

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A Guiné tem muitas etnias... uma das mais comuns é a dos bijagós. Os bijagós têm origem no arquipélago dos Bijagós, daí o nome...

Muitos são os bijagós que saíram das ilhas e estão agora por todo o território guineense. Diz-se que uma das suas grandes especialidades é subir às palmeiras para tirar as sementes de óleo de palma.

Este senhor que desenhei chama-se António Carvalho, mas ninguém o chama por esse nome. É conhecido por "Ambuduco". Nunca percebi o porquê desse nome, mas quando eu o chamava de Sr. António, todas as crianças se riam porque era um nome a que não estavam habituadas...

Quando lhe disse que gostava de o desenhar, tratou logo de arranjar um "afazer" para que não parecesse que não fazia nada. Foi buscar uma fita de palmeira e começou a prepará-la para ficar apta como instrumento para subir a palmeira.

Sentado num "canapé" (banco tradicional guineense), trabalhou enquanto desenhei. Logo depois de terminar o desenho, mostrei-o a ele. Sorriu, abanou a cabeça afirmativamente e depois apertou-me a mão...

sábado, outubro 04, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




Eis a Leonor...

Neste desenho parece um pouco mais velha do que é na realidade. A Leonor estava sempre a sorrir, mas quando teve que posar para o desenho ficou séria durante uns largos minutos... nem parecia ela...

Desde que cheguei a Empada que a Leonor me chamava pelo nome. Eu nunca me lembrava do nome dela. Quando passava pelo carreiro, por entre as plantações de amendoim, para ir dar aulas de português, ela gritava ao longe o meu nome. Eu bem queria dizer o dela, mas nunca me lembrava do nome... dizia apenas: "cumá qui bu mansi?" ou apenas"cumá?". A resposta era óbvia: "está bem".
Este era o diálogo mais comum que eu conseguia travar com qualquer pessoa de Empada. Era uma espécie de "olá como estás? - tudo bem!"

Um dia um rapaz disse-me: "Mário, se eu digo o teu nome, porque é que tu não dizes o meu?"
Nem sabia o que responder... não queria admitir que não conseguia memorizar tantos nomes em tão pouco tempo... mas teve de ser. Lá admiti a minha limitação para os nomes...
Depois disse-me: "O meu nome é Helton. Não podes esquecer-te mais!"

A partir daquele dia fiz um esforço para não me esquecer mais de nenhum nome...
... não fiquei um expert na matéria, mas pelo menos não me esquecia tão facilmente...

Leonor foi um dos nomes que fixei primeiro depois da conversa com o Helton...

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Neste dia chovia muito... nada o fazia prever... saí calmamente pelo carreiro de terra batida (bem vermelha) e, chegando ao poço, parei para começar a desenhar a estrutura. Logo a seguir, o curandeiro de Empada, que vive na casa mesmo ao lado do poço, chamou-me pelo nome! Primeiro não percebi bem se era mesmo a mim que ele chamava, mas depois confirmou-se.
Levantei a mão para o cumprimentar: "cumá?" - perguntei eu. Riu-se. Não sei se da minha pronúncia ou se de ver um branco falar crioulo...

... logo de seguida começou a chover torrencialmente. Deixei o desenho do poço inacabado e fui abrigar-me em casa do curandeiro. Sentado em cima de dois pneus velhos, olhava para mim com ar de grande satisfação por eu estar ali.
Era impossível ir para outro lugar. Chovia que Deus a dava!

Decidi então desenhar as várias latas e pequenos recipientes espalhados pela casa, colocados estrategicamente para recolher o máximo de água das chuvas...
A Leonor - a neta do curandeiro - estava encantada com os desenhos, pelo que tive de lhe propor que a desenhasse. Ficou logo contente. Com um sorriso de felicidade por alguém ir desenhá-la...

sexta-feira, outubro 03, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




A Helena é uma das personagens principais do documentário:
Cuma qui bu na mansi?
(http://video.google.com/videoplay?docid=2052532096242483858).

Quando acabei de desenhá-la perguntei-lhe se ela conhecia a Helena de Tróia. Não sabia... expliquei-lhe que gregos e troianos lutaram entre si por causa da sua beleza... não lhe expliquei que na realidade gregos e troianos nunca se entenderam, mas quando percebeu a importância histórica do nome, acho que ficou contente...

... a partir desse dia passei a chamá-la por Helena de Empada! Sorria sempre que a chamava assim...

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Quando estudava na António Arroio, no 11ºano, numa aula de desenho tivemos de desenhar os pés de todos os colegas. Depois dessa aula desenhei várias vezes os meus pés.

Na Guiné, não podia ter deixado de desenhar pés...
Neste dia estava muito calor. Fiquei com as pernas todas escaldadas e com a marca dos chinelos de tal forma entranhada que ainda não saiu! eheh

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Este rapaz chama-se Papé e tem 9 anos. Vive em Empada, na Guiné-Bissau.
Quando o desenhei estava na semana de Fanado - o ritual de iniciação à vida adulta que inclui a circuncisão.

Enquanto o desenhava dois miúdos atrás de mim diziam: "alin li" ("é ele ali"). Depois de desenhar o Papé, quase todos os dias tinha crianças a perguntarem-me se as queria desenhar!


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Este Agosto estive em Empada. O objectivo era gravar o documentário para o concurso DEL8 - Apaga com os Objectivos do Milénio (http://del8.com).

Dada a minha formação foi inevitável não realizar um Diário Gráfico. O mais impressionante eram as crianças de roda de mim! Ficavam encantadas com os desenhos... mesmo aqueles que não saíam bem...

... incrível o poder do desenho...

sexta-feira, dezembro 08, 2006